« Já sei. Escrevo-lhe um mail. As palavras escritas são mais sérias, mais sinceras, mais certas e ouvem-se melhor. Ele está habituado a falar comigo por palavras escritas. Conto-lhe como tudo aconteceu, explico-lhe como me sinto, e que nunca lhe quis fazer mal, que o guardo comigo para sempre, que, se pudesse, dava-lhe tudo o que ele quer e merece, mas não posso porque não sei. Porque não é isso que eu quero, porque sou feita de outra matéria, e só sei viver avulso, por mim e para mim. Mas que isso não quer dizer que não o tenha amado, que, de certa forma, não o ame ainda. Nunca desejei tanto um homem, nunca me senti tão amada e protegida, nunca dei e recebi tanto, nunca vivi um amor assim. Talvez ele seja mesmo o homem da minha vida, mas não posso abdicar da minha vida para ficar com ele, e ele tem que perceber isso. Ele merece mais e melhor, merece uma tipa que seja dedicada, o que eu não sou, que tenha espírito de família, que eu não tenho, que lhe dê segurança, uma casa, um projecto de vida, e talvez um filho. Agora que penso nisto tudo, tenho tantas coisas para lhe dizer que nem sei por onde começar. Talvez comece pelo fim, pelo prazer enorme que é estar com ele, esta ansiedade quase incontrolável que antecede os nossos reencontros, de o ter, de o agarrar, de ficar horas e horas na cama com ele, a descansar encostada ao peito dele, a ouvir as batidas dos nossos corações até se encontrarem no mesmo tempo e modo. Como ele me encheu a vida e o coração, e me mostrou uma forma completamente nova de ser e de estar, me emprestou uma luz que não conhecia. Como ele sempre foi o mais querido e mais lindo, a melhor pessoa que conheci, apesar dos seus medos, das suas tristezas e das suas infantilidades. Como o seu nome, escrito nos vidros do comboio, quando atravessava a terra à procura de mim própria, me fazia companhia e me guiava como uma bússola, como sonhava com ele e o desejava e tantas vezes o via, sem saber, em outros corpos com quem apenas trocava fluidos e desespero, ainda e sempre à procura de mim, dele, não sei já bem de quê. De como ele me ensinou a conhecer-me melhor, a ouvir-me melhor, a procurar em mim os defeitos em vez das qualidades. Do legado imenso de doçura e paixão que ele me emprestou para sempre. Do seu olhar de menino, das suas mãos morenas, do tamanho das minhas, da sua pele com cheiro a bebé, do seu jeito especial para falar comigo e me suavizar o coração. De como eu gostava, daqui a uns anos, que nos voltássemos a encontrar, de dar-lhe o que agora não posso, não quero, ou não sei. »